terça-feira, 8 de dezembro de 2009

3 interpretações de uma capa de CD.



Essa foto é a capa do CD da banda Oito Mãos, chamado "Vejo Cores Nas Coisas", que vai ser lançado em 2010. A escolhi pra análise, em primeiro lugar porque acho que ficou legal, o conceito e realização, e também porque participei da criação e execução de ambos.

Estando então do lado de "dentro" da criação desta foto, meu esforço será de me por do outro lado, do espectador que poderá encontra esse CD numa loja, na casa de um amigo, na mão da namorada, ou na estante, que seja. Em todo caso, a pergunta que porei a responder é: qual é a qualidade do impacto dessa foto, enquanto capa de um CD?

Pra onde caminham os significados desta foto, afinal? Lembro de estar fumando, de madrugada, olhando por entre a fresta do portão de casa, então me veio a resposta pra questão urgente, já há algumas semanas em pauta: "qual será a capa, qual será a capa?"
- Uma criança, de olhos claros, olhando por entre uma cerca colorida.
Assim que apresentei a idéia por meio de um desenho tosco do paint, a galera aprovou, depois de muitas e muitas idéias já naufragadas. Então contando com a ajuda de muitos, a realizamos tal como se vê acima.


Para desvendar o valor dessa idéia, prontamente aceita, percorreremos três possibilidades distintas de interpretação. Sabemos de antemão que esse é um exercício analítico interpretativo, um assunto que ao mesmo tempo que se sustenta por uma argumentação lógica, pautada nas observações dos olhos e da alma, abre-se amplo espaço para a discussão. Poderíamos dizer que estamos preparando o leitor para encontrar contradições em nossa argumentação abaixo, ou ainda, se não encontra-las, que as procure, com base em seu próprio olhar. De tal sorte que a própria discussão - que aqui somente deve vir após o observar- já é conhecer melhor, e a contradição do olhar desconhecido o melhor dos professores.

Segue-se então 3 caminhos de interpretação:

1) A foto brinca com o título, "Vejo Cores Nas Coisas". Na imagem a menina esta atrás da cerca, e não esta vendo as cores que o espectador da imagem vê. No entanto, a impressão que se fica, é de que ela esta vendo algo colorido (ou ao menos muito vivo).

Assim, sugerimos que a foto abarca o conceito do título em dois níveis diferentes: no primeiro o espectador vê coisas coloridas na própria imagem (a cerca), e no segundo, mais sutil, a menina vê cores nas coisas, o que é diferente. Nesse último caso, as cores estão representadas pelo interesse de criança no que se espia atrás da cerca...

A menina poderia representar o eu lírico da banda olhando para o espectador, e o espectador da foto não é deixado de fora do conceito, mas é convidado a entrar na imagem através do primeiro nível, mais simples, o de quem vê coisas coloridas.

Aliada então ao título, a imagem cria um ponto de vista cruzado entre “ver coisas coloridas” e “ver cores nas coisas” - cruzamento entre artista e público. Boa parte do impacto da foto deriva-se deste cruzamento conceitual que a foto e o título exercem no observador.

2) Um outro caminho de interpretação, complementar ao enunciado acima, é o que leva em conta a escolha dos principais objetos de cena, a saber, a cerca colorida, e a criança. Sobre a cerca - costumeiramente objeto usado para separar, proteger, criar fronteiras-, não é exatamente o símbolo da liberdade, no entanto, as cores diferentes e intercaladas criam um aspecto lúdico no objeto, aspecto esse que acumula intensidade com a presença da criança, que parece estar num lugar arborizado e sorrindo ao espiar por entre as tábuas. Uma cerca lúdica poderia ser um símbolo da arte, da sublimação que a arte efetua no espírito humano.

Contrariamente a hipótese de cima, a menina que espia a cerca colorida assume agora uma posição mais identificada com a do espectador da foto; espectador jovial e interessado com o que olha, pra não dizer satisfeito, ainda. Identificação essa que funciona como um cortejo, promessa, ou ainda amostra para o espectador desconhecido, do que se segue, em outras palavras, a capa funciona como um convite persuasivo, para que o espectador avance para a etapa seguinte e ouça o CD.

3) A terceira interpretação é mais simples; nos informa que o principal impacto dessa foto não é dado por razões subconscientes que jazem no caráter simbólico dos objetos e suas disposições, mas antes de tudo, pelo sabor que a visão experimenta com seus contrastes equilibrados.

Nessa capa, o contraste geral da foto inclui todos seus elementos: tábuas pintadas da cerca, a menina espiando, e o ambiente em que ela esta - que se perscruta pelos vãos e furo da cerca -. Porém, o contraste central é o das cores intercaladas. O que supomos é que a menina e o cenário atrás, contribuem para o contraste central devolvendo naturalidade a imagem, retirando a artificialidade que é previamente percebida na foto por meio do enquadramento, que não permite sobras nas laterais, tal como se esperaria de uma foto "não planejada”.

Assim, caracterizamos o contraste geral da foto como equilibrado, o que acaba por inserir a imagem num plano do comum, do instante captado, do instante único e mágico, do “não planejado”, mesmo após todo o planejamento. Nesse plano o contraste entre as cores da cerca, a menina, e o ambiente de trás, cria uma imagem acima de tudo agradável aos olhos, e que não deixa de sugerir múltiplas interpretações. Mas o título do CD não seria essencial para desvendar o valor da imagem, que jaz em sua própria composição.
Concluo esta breve exposição arriscando mais um comentário: que o domínio do fazer e sentir a arte, é o da intuição. A utilidade de um exercício como esse é o de apurar os instrumentos com o qual a intuição se expressa, ou seja, objetos racionais (formas), empíricos (cores), teóricos (conceito), etc.

3 comentários:

  1. André, a primeira impressão que tive ao olhar a imagem me lembrou um recurso antigo que as redes televisivas utilizavam após um horário, quando a programação terminava e apareciam essas cores verticais, exatamente na mesma disposição dessa foto, não sei se as cores e a ordem eram as mesmas, mas foi logo essa imagem que me veio. Fui além quando eu vi os olhos da criança, como se fosse alguém interrompendo o suposto congelamento da imagem televisiva, como se estivesse abrindo uma cortina e trazendo alguma novidade, tipo: "eu tenho uma coisa melhor para te mostrar do que esse seu tempo parado na madrugada".
    Muita viagem?

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  2. É verdade, nós também fizemos essa associação com as cores da tv.

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  3. A questão posta "qual(is) captura(s) será(ão) realizada(s) pela imagem de capa?" destaca a importância da imagem para gerar ações no mundo atual, neste caso, ouvir e comprar o cd.
    Os escritos do autor e o comentário feito em seguida, no entanto, revelam o quanto esta captura está submetida ao universo cultural das pessoas. A mim a imagem remete às escolas e demais ambientes infantis, onde cercas coloridas são onipresentes. A criança que olha reforça este sentido, fazendo com que eu, como consumidor de cds, pensasse que este é um cd voltado a este público. É?
    Quanto à imagem, o ponto que me atraiu foi a outra abertura logo após a outra tábua vermelha. É por ali que entrei na imagem, ali vi o lugar do espectador, reservado a ele, semelhante ao da criança que olha também por um pequeno vão logo após uma tábua vermelha. Aquele vazio me chega como um convite para também participar da cena...

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