segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sombras...


Sombras...

Quando penso, quando respiro, quando ando... sempre me faltou algo... sempre...

Veja! Logo ali, isso mesmo, logo ali vivi durante 9 anos. Vivi e vi! Contarei um pequeno trecho...

Sombras me perseguiram... Entretanto não mais me perturbam. Marcas de uma vida que permanecerão até o fim. Mas que fim? Será que não estou vivendo o fim? O que é o fim?

Sabe aquela marca no chão? Desculpe, esqueci que têm várias e que são confusas, mas me refiro àquela ali. Isso mesmo, a marca de um pneu de bicicleta no canto esquerdo da foto, logo embaixo. Achou? É minha. Pedalava diariamente pelos caminhos quentes desta vila. Entretanto, não fiz mais isso. Deixei pra lá. A visita do dono da pegada que está no canto inferior direito da foto me fez parar por um tempo. Depois de sua visita, percebi que andar de bicicleta não era mais um prazer, mas uma maneira de atravessar um ponto ao outro sem ser atingido. Quanto mais rápido, menor era o perigo. Mas ser atingido pelo que? Pela pegada do senhor que te falei. Sabe, ele não gostava de criança. Nem de bicicleta.

Você quer saber o motivo de eu estar de costas para foto e, principalmente, para as pegadas? É que eu falo e penso muito nelas, só isso. Tomaram muito tempo de minha vida após a visita do senhor que te falei. Antes existiam apenas as pegadas dos meus caros colegas e as minhas, é claro. Cada pegada tinha uma intensidade e trajeto definidos... agora estão confusas, sem uma definição... Não reclamo das pegadas ou de deixar as pegadas, mas da maneira com que elas surgiram e de como foram dispostas... Não consigo entender! Veja, por que as pegadas daquele meu amigo estão ao centro? Ele sempre andou pelo canto... E as minhas, onde estão? Vejo só a marca do pneu de minha antiga bicicleta... Tempos atrás não me preocupava em como gravá-las no chão... apenas as deixava... não existia tal preocupação...

Pois é, essa foto mostra um pouco do que vivi durante um bom tempo. Crescer é algo muito rápido, sabia? Um dia andava de bicicleta com amigos e no outro você acaba indo embora. Mas as memórias da infância permanecem comigo. As pegadas são isso. Procuro lembrar-me de um lugar, uma vila, uma casa como várias outras casas, um quintal como vários outros quintais, em uma viela como várias outras vielas. E o fato é que, após todos estes anos, eu ainda olho para trás para compreendê-las, mas estão escondidas pelas sombras. Apesar das sombras não me perturbarem, continuam me seguindo, pisando em minhas pegadas...

3 comentários:

  1. Esta imagem é profundamente tocante. Penso que as sombras, ao mesmo tempo que me direcionam para um olhar artístioco procuram desviar meu pensamento das pessoas mutiladas que nela prticamente desaparecem. As marcas das pegadas na areia não serão mais delas, mas do que restou delas e, tanto fisica quanto emocionalmente, serão mais profundas.

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  2. Fiquei emocionada com a imagem e sua análise poética. Sombras, mémorias, infância, marcas e pegadas que compõe a pedagogia da vida!

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  3. A maneira como o texto foi escrito é muito instigante, pois desloca para fora da imagem aquilo que nela está. Tanto ao deslocar nosso olhar das sombras para as marcas no chão, quanto ao opor as marcas nos dois cantos inferiores da imagem (a marca do pneu, a marca da pegada), quanto, mais intensamente, ao deslocar o elemento central da imagem para algo que não está nela (a bicicleta) não só por não estar visível, mas sobretudo porque é algo que não pode ser usado pelas pessoas ali mostradas com uma única perna... como pedalar? A linha de fuga criada na imagem a partir dela mesma potencializa a imagem em nossos pensamentos e aponta uma pedagogia das imagens que está na leitura que fazemos delas.

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