terça-feira, 8 de dezembro de 2009

tateio experimental


Esta imagem foi recebida por mim e por mais um milhão de destinatários-ocultos através de um e-mail cujo título era “Quando uma foto não é só uma foto...”. Tratava-se de um pacote com mais outras 34 imagens “deste estilo”, qual seja, uma série de imagens que são, ao menos no senso-comum, compreendidas e identificadas como “montagens”, sempre “brincando” com pessoas interagindo com a natureza (flores, sol, água, insetos etc.). Tal como esta, todas têm no canto inferior direito o inscrito: INTERESNO.DN.UA. Estão no ar no endereço www.interesno.dn.ua que, pelo formato das letras nele contidas, faz-me crer que seja um site grego.

No primeiro plano há no foco uma flor, provavelmente uma tulipa cor-de-rosa, um pouco avermelhada, posicionada horizontalmente no centro e verticalmente um pouco abaixo do centro da imagem. A flor está virada diagonalmente para baixo, como se estivesse murcha, mas as tulipas abertas e erguidas têm suas pétalas dispostas desta mesma maneira.

O plano de fundo, pelos elementos dados (como o chão, a janela com cortina, uma pessoa e algo que pode ser uma cama ou um sofá), faz crer que se trata do cômodo de uma casa, dando a impressão de que a flor “nasce” de um vaso ornamental sobre algum móvel. Os outros elementos contidos na imagem, além da flor, estão desfocados.

A pessoa entre a flor e a janela, pelas curvas, perfil, posição e cabelo, e pelo próprio posicionamento da flor, é remetida a uma mulher, uma mulher jovem. Está em pé, de perfil com o queixo levemente levantado, com os pés em meia-ponta e os braços leves frente ao corpo, ou seja, em uma posição que culturalmente identificamos com a dança e, em conjunto com o formato da “saia”, com o ballet, logo, com uma bailarina.

Ao fundo, a janela é grande e disposta predominantemente na parte superior da imagem. Da propriamente dita janela, vem uma luz forte que dá a tudo um tom amarelado, assim, um tom envelhecido, assim, um tom de ballet, uma vez mais.

O ponto fundamental da pedagogia desta imagem poderia ser o de trazer ao espectador o conceito de uma bailarina. À primeira vista, digo, à primeiríssima vista, é o que vemos. É o que culturalmente, “dos fenômenos materiais da nossa condição social” (como lembraria Pasolini n’Os Jovens Infelizes), somos educados a ver. Eu jurava, inclusive, que tinha visto nos pés da pessoa da imagem, uma sapatilha de ponta (que, por sinal, nem foi necessária para construir o suposto objetivo do construtor da imagem).

Por suposto, uma foto de fato não é só uma foto...

5 comentários:

  1. Incrível essa imagem. Fica claro como é possível através das luz e da composição de imagens transmitir uma mensagem,nesse caso, fui remetida a minha infância,quando esse universo da dança fazia parte da minha vida, apenas uma imagem foi capaz de me fazer lembrar de coisas que estavam há muito tempo esquecidads.

    Interessante, assim como dito pela Thalita que , a luz aparenta serenidade, as cores também, a posição da "bailarina", os objetos da cena.

    Realmente "Por suposto, uma foto de fato não é só uma foto..."

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  2. O tateio experimental nada mais é do que a conjuntura que permite à criança, como ao “cientista”, confrontar-se com as dificuldades de construir um pensamento racional.
    As crianças encontram quase que a totalidade dos obstáculos epistemológicos levantados por Bachelard na história do pensamento científico:
    a opinião geral, que pensa mal porque é a adesão ao objeto;
    o obstáculo verbal, isto é, a falsa explicação baseada na analogia;
    o obstáculo substancialista, explicação das propriedades pelas virtudes da substância;
    o obstáculo animista;
    o antropomorfismo...
    E também a experiência primeira, que favorece o pensamento empírico, mas que permite descolar da percepção primeira, e lançar o questionamento.
    Para a criança (cujo pensamento lógico dedutivo está em formação) assim como para o cientista, é indispensável encontrar esses obstáculos e superá-los.
    São tantos os pontos comuns entre a historia da formação do espírito científico e o desenvolvimento cognitivo da criança, que nos perguntamos se não existiria uma relação entre a “ontogêne” e a “filogênese” da razão.

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  3. Realmente fascinante o efeito que esta foto nos traz: a junção das luzes, os elementos do plano de fundo desfocados e apenas a flor no foco principal disposta exatamente onde estaria uma saia da moça ao fundo dando o efeito de que é a saia de uma bailarina; assim como disse a Thalita, supõe-se que seja uma bailarina por sua posição de pernas, braços e rosto. Efeito perfeito, tendo em vista que se fossemos ver a imagem do plano do fundo focalizadas e sem a flor, existiria a possibilidade de que não fosse uma bailarina, e que esta moça não estivesse usando uma saia. Ou, do mesmo modo, também existiria a possibilidade de que fosse sim, uma bailarina, por sua posição, e de que ela estivesse usando uma saia (esta camuflada por esta flor, na foto disposta desta maneira).

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  4. Só queria fazer uma colaboração aqui: o site é russo. Fascinante!

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  5. Seguindo as pistas da própria autora da postagem, as sapatilhas e todo o universo material que envolve as bailarinas clássicas estão na imagem (somos remetidos de maneira autoritária a ele, nos dizeres de Pasolini) e é por isto que a tulipa é e não é a saia clássica do balé, está e não está no quarto onde a jovem se posta em pose de balé (vaso em primeiro plano, pós-produção com sobreposição de imagens). A luz que vem do fundo, da janela, nos leva aos espelhos das academias de balé ultra-divulgadas em imagem nos quadros de Degas, daí que, a despeito da cama remeter para uma situação privada, a imagem geral remete para uma situação pública de aprendizado do balé. O desfocamento tornam a jovem em seu quarto o pano de fundo da flor, que vira personagem central da imagem.

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