quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Tramideia III

Esta é uma das imagens que produzi para um trabalho desenvolvido junto com o amigo e artista plástico Gustavo Torrezan. Nossa proposta era contrapor a arquitetura urbana, plena de traço reto e contínuo, concreto, à ocupação orgânica de plantas que se apropriam de espaços dos quais foram expulsas e os transformam, impondo-lhes suas formas curvas, desordenadas em sua própria ordem.
Meu desafio ao analisar a fotografia (e mesmo ao produzi-la) é justamente entender de que forma consigo ou não provocar em outra pessoa o sentimento que me moveu ao criá-la e entender, ainda, quais outras sensações a imagem em si pode produzir em mim, já que não mais me pertence.
A foto é composta por um poste de energia em que há uma lâmpada de iluminação da rua e no qual há a convergência de muitos fios elétricos que cortam a imagem em diversos planos. O fundo é formado pelo céu quase totalmente branco que se confunde com dois prédios no canto inferior direito da imagem. Quase imperceptível, uma cruz denota que uma dessas construções é uma igreja.
Apesar de o registro ser colorido, a imagem apresenta pouca variação para além dos tons de preto: o suporte da lâmpada, em laranja, a igreja, de um bege sutil, e algumas partes do céu azul bastante claro.
Do lado inferior esquerdo há duas antenas de televisão, cuja visibilidade também é afetada pela claridade do registro.
Um dos fios elétricos é tomado por uma planta com caules finos e folhas escuras, que parecem surgir do canto direito, onde há maior volume de folhas, e seguir em direção ao poste, por onde começam a se espalhar para outros fios.
Penso que seja possível aplicar à imagem a noçar de studium e punctum, apresentadas por Roland Barthes em A Câmara Clara. Segundo ele, a imagem passa a existir para um indivíduo (a pessoa nota sua presença e com ela estabelece uma relação) quando da existência de elementos divergentes (dualidade). Entre eles se encontra o tema compartilhado pelo espectador, elemento cuja existência faz parte de seu universo cultural e que o faz se reconhecer naquela imagem. Esse é o studium, "que não quer dizer, pelo menos de imediato, 'estudo', mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem aciudade particular" (p. 45). A contraposiçaõ ao que nos é familiar na imagem é estabelecida pelo punctum, o elemento que não precisamos buscar, já que ele vem até nós involuntariamente. Ele é como uma flecha que nos atinge, nos fere e nos mortifica. É o elemento "estranho" da fotografia.
Acredito que na imagem de que falo, o studium seja formados pelos elementos poste, lâmpada, fios, construções, e o punctum possa ser estabelecido pela dualidade entre a paisagem urbana específica da foto da qual foge a ideia de uma planta trepadeira em um poste de energia.
Minha maior questão, como criadora de imagem, é a infinita possibilidade de interpretação da fotografia, já que estive presente à cena e a registrei da forma como se apresenta. Para muitas pessoas não fica claro o fato de que a planta está escura porque está morta. A energia qdos fios em que se apoiou para crescer a eletrificou. Sabendo disso, o que me toma ao construir esse registro é a consciência de uma "luta" e de uma vida interrompidas pela estrutura criada para que não existissem. A paisagem que resta naquela cena me transmite a sensação de uma beleza fúnebre, porém cheia de vida.

Um comentário:

  1. A primeira coisa a comentar desta imagem é que a planta que se enrosca no fio só é distinguida com facilidade quando a foto é ampliada. Como esta identificação é fundamental para alcançar o sentido pretendido pela fotógrafa conseguimos entender melhor a ambiguidade da ampliação fotográfica (tamanho da imagem final) para atingir a potência da imagem pretendida por seu autor.
    Num segundo momento, comento a riqueza de uma análise conceitual (neste caso, de Barthes) para a observação e estudo das imagens. O que gostaria de comentar é que me pareceu que esta análise conceitual foi dobrada não só sobre a fotografia, como propôs Barthes, mas sobre a própria cidade, onde a planta morta enroscada no fio capturou a fotógrafa, foi seu punctum urbano e ela o trouxe a público.

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